Ecos de Casével

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Jornal digital de Casével

domingo, 10 de novembro de 2013

Azeite e a Apanha da Azeitona




Como neste fim-de-semana, andei na “safra” da apanha da azeitona, atividade familiar em que participo desde que me conheço, decidi escrever algo sobre este importante tema da economia da nossa terra.
Em todo o concelho de Santarém, sempre se cultivou muito a oliveira. Era e é uma das principais riquezas da região, o azeite. Casével, não fugiu à regra, a cultura da oliveira predominava e ainda hoje, embora muito abandonadas, se veem por todo o lado, grandes oliveiras. Na nossa freguesia está a prova evidente do que afirmo, está “semeada” por todo o lado de boas oliveiras, agora, algumas, mal tratadas.
A oliveira era considerada uma árvore sagrada. Dela se extraía o azeite que iluminava e ainda hoje ilumina, na Igreja, a lâmpada do Santíssimo. Uma lamparina que de dia e de noite ali estava sempre acesa.
Hoje, corta-se uma oliveira por este ou aquele motivo mais fortuito.
Recordo-me de não se cortar qualquer ramo, até na apanha da azeitona, aquele que partisse algum raminho, era mau apanhador e se tivesse o azar de partir muitos, se por acaso andava a trabalhar por conta de outro, não voltava mais àquele patrão. Começava a ganhar fama de partir muitos ramos, era mau apanhador, ninguém mais o chamava. Era assim, porque havia fartura de mão-de-obra e falta de trabalho.
Tarefa agrária das mais importantes, a estender-se de Novembro até Janeiro, a apanha da azeitona,sobretudo se a safra é pequena, continua a processar-se por varejo manual, como antigamente, embora hoje simplificada por acção mecânica.
Assim se repetem, no desfiar dos anos, ritos e tarefas, risos e confraternização, nascidos de um tempo que não se apaga na memória das gentes. Todavia, se do presente pouco há a dizer, do passado não. Por isso se lembra aqui algumas das tradições de outros tempos das quais restam ainda alguns rituais que teimam em sobreviver.
As oliveiras eram todos os anos limpas dos paus secos, rama que desse azeitonas não era cortada. Agora, para se evitarem mais despesas, faz-se a apanha da azeitona e faz-se também a "limpeza" da árvore com serrotes e motosserras!
O chão em redor da árvores, “as marradas”, era cavado também anualmente e iam buscar muito mato que era enterrado conjuntamente com a cavagem, para estrumar a terra. Outros deitava-lhe bom estrume dos animais. Não deixavam crescer ervas, silvas ou mato nas oliveiras e a sua rama parecia prata.
Havia grandes oliveiras, ainda hoje se vêm alguns troncos de grandes árvores centenárias. A oliveira se for tratada convenientemente, dura alguns séculos. Ao contrário, também se perde com facilidade, embora os seus troncos, muito rijos, durem muitos anos.
Para a apanha da azeitona, no devido tempo, Novembro, Dezembro,era mobilizada toda a povoação. Todos os habitantes, uns mais outros menos, tinham azeite para seu gasto e alguns até vendiam para fora da terra.
A apanha da azeitona era feita direta, ou seja, com escadas feitas de varas, umas maiores outras mais pequenas, conforme o tamanho das oliveiras a apanhar. A azeitona era apanhada diretamente com as mãos do ramo para o balde. Quando o enchiam, vinham ao chão despejar em grandes cestos ou sacas.


Antigamente organizavam-se grandes ranchos e todos em cima das escadas a apanhar, conversavam e cantavam, por vezes ao desafio. Era bonito!... Lembro-me de virem vários ranchos da zona de Pombal, “os gaibéus”, e ficavam várias semanas em Casével na campanha da azeitona, para vários proprietários agrícolas. Vinham famílias inteiras e em estavam instalados em condições muito precárias, cedidas pelos agricultores que os contratavam. Cá passavam várias semanas, "as campanhas" e lembro-me de irem fazer as suas compras na mercearia minha mãe, na Famalva.
Uma outra tradição que se mantém, em alguns lagares, diz respeito às «tibornas», manjar particularmente apreciado na época da safra da azeitona, sobretudo quando os lagares começam a «andar» (trabalhar), recordando a importância cultural e económica que lhes coube por tempos passados, quando grandes lagares de azeite funcionavam em pleno pelas quintas na sua maioria agora arruinados.
As «tibornas» mais não são do que fatias de pão aquecido na própria caldeira do lagar, colocadas num prato, polvilhadas com açúcar e regadas depois com azeite novo. O nome «tiborna» quando se coze pão, com este bem quentinho, mal sai do forno, molhado num prato com azeite novo, alhos e sal. Quem gostava juntava-lhe um pouco de açúcar. Naquelas noites frias de inverno, algo que nunca faltava era o belo bacalhau…assado!

Muitos lagares antigos encerraram, sobretudo depois da entrada na União Europeia e posteriores exigências higienico-sanitárias comunitárias impostas pela ASAE e em Casével, havia muitos. Estou a lembrar-me de um no Lagar Novo, no Pinheiro, nos Casais Novos e em Vila Nova. Era uma época em que ainda não tinha chegado ainda a eletricidade a Casével e a energia era produzida a partir de potentes motores. Agora são utilizados lagares modernos, com boas prensas elétricas, com maior rapidez, embora tenhamos que nos deslocar a alguns quilómetros de distância e penso que em Casével já só resta um em Vila Nova, do Sr. Coimbra. Ou estarei enganado?