Ecos de Casével

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Jornal digital de Casével

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Reflexões: Mais e melhor Abril !!

Recordo-me bem do dia 25 de Abril de 1974. Recordo-o sobretudo porque no final da manhã fomos mandados da escola para casa. Depois, durante o resto do dia, a rádio em constantes transmissões,(lá em casa ainda não tínhamos televisão) onde sobretudo se ouviam comunicados, os sons de gente, muita gente na rua, misturada com soldados. Aliás, nas transmissões radiofónicas desse dia lembro-me de ouvir uma voz que afinal era do General Spinola mas que parecia ser a do presidente Américo Tomás e de comentar com a minha mãe o seguinte: "Então o Tomás é o presidente e faz agora um golpe de estado?!"

No imediato, no meu mundo de criança, foi a alegria que prevaleceu, frequentava eu a Escola Preparatória Manuel Figueiredo de Torres Novas e recordo-me da clareza e da alegria contagiante da Prof.ª Cremilde a explicar-nos o significado do momento histórico que então vivíamos e dizia: "Vai haver liberdade e vamos trabalhar em equipa!!".
 Foi sobretudo a alegria do final da guerra colonial que mais me marcou e alegrou. Aliás, quero referir que antes do 25 de Abril (com 9/10 anos) tive a oportunidade ir ao Forte de Caxias visitar o amigo Quim, do Lagar Novo, filho do padrinho Manuel  e da madrinha Marquinhas, , que estava preso porque era refractário ao serviço militar, para assim não ser mobilizado para a guerra colonial.
Bom...o certo é que pelos anos seguintes fui tomando a natural noção do significado da Revolução que veio a ser baptizada "dos cravos". Hoje, à distância de 38 anos, dou como sábias as palavras de alguém que deixou mais ou menos escrito que as revoluções são pensadas por idealistas, levadas a cabo por fanáticos e aproveitadas por toda a espécie de oportunistas. Sem grandes considerações filosóficas e análises histórico-sociais profundas, quase sou obrigado a concordar com este sumário da nossa Revolução.
É certo que a liberdade conquistada permitiu a que Portugal encontrasse o seu próprio destino e retomasse um caminho de progresso e desenvolvimento, que dizem ter sido atrasado 40 anos, mas hoje, à distância de quase outro tanto tempo, sobram muitas desilusões conquistadas nesse histórico dia de Abril. A liberdade hoje está transformada em libertinagem; O exercício do poder, seus tentáculos, clientelismo, oportunismo, corrupção e favorecimento, continuam piores, com a agravante de exercidos de forma clara. O povo continua a ser "carne para canhão" e a sua liberdade só serve para legitimar governos, governantes e políticos quase sempre incompetentes.
Hoje reconheço que nessa época da nossa História havia medo, não um medo generalizado mas um medo elitista, da classe pensadora, dos homens e mulheres, não do campo e das fábricas, mas dos livros, da cultura e das artes. O povo, na sua maioria, não tinha medo. Tinha medo do fantasma real das guerras, (tanto da 2ª como da colonial), isso sim, e esse terá sido o pecado capital do regime, que nos afogou em mortes e adiou o progresso, mas não tinha medo da insegurança, pelo que os seus filhos brincavam alegremente na rua, na escola, nos pinhais. As portas das casas e dos comércios podiam ficar escancaradas durante o dia e durante a noite. Hoje temos medo de deixar sair as nossas crianças fora da porta e até a escola tornou-se tudo menos um exemplo de virtudes, educação e disciplina. Quem então trabalhava para o sustento do dia-a-dia hoje continua a ter que o fazer, com a agravante de ter que ganhar para o pão e para os livros da escola mas também para os carros, para a casa, para todo um conjunto de inutilidades, para pagar os medicamentos para curar as nossas depressões, para engordar os bancos e os cofres públicos. Os outros, a tal classe elitista, foi quem mais ganhou com o 25 de Abril, porque deixou de ter medo e hoje é quem ocupa os grandes cargos  dos governos, das instituições, enfim, o poder, o seu exercício e as suas altas benesses.
Hoje reconheço que a liberdade teve um preço demasiado caro e vivemos mergulhados numa crise, num desemprego que fustiga quase todas as famílias, onde a economia geral atinge valores idênticos aos dos anos 70, onde a criminalidade, ligeira e violenta enche as páginas dos jornais e os ecrãs da televisão, onde os criminosos vivem e actuam sem medo de um sistema que os devia castigar e onde o povo, desprotegido, continua a ter que "pagar as favas", onde quem tem dinheiro é que se defende, onde quem tem  "padrinhos" é que aspira aos melhores cargos e lugares.
Enfim, o povo continua unido (nesse dia gritava-se " O povo unido jamais será vencido"), mas unido no desfavorecimento, na insegurança e na incerteza, porque no resto continua dividido, porque as desigualdades que existiam antes do 25 de Abril continuam a vigorar 35 anos depois.
Foi para isto que serviu o 25 de Abril de 1974? Claro que não, mas, por desgraça do nosso destino, tenho dúvidas que no cômputo geral estejamos melhor. Livres, é certo, mas inseguros, endividados e desprotegidos, face ao presente e sobretudo face ao futuro, já não tanto de nós próprios (os da minha geração e mais velhos), mas fundamentalmente dos nossos filhos e dos nossos netos.
Mas eu quero acreditar que, mesmo assim, apesar de nem tudo ter sido perfeito, o 25 de Abril de 1974 valeu de facto a pena. Tenhamos esperança, pois nela ainda reside a génese dessa Revolução.





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