Ecos de Casével

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Jornal digital de Casével

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Brincadeiras da Infância - O pião


O pião, no meu tempo de criança, era um dos brinquedos inseparáveis, sempre pronto a entrar em jogos e brincadeiras.
O pião é um brinquedo fabricado em madeira, torneado, com forma sensivelmente de ás-de-espadas, e com um bico metálico espetado na sua parte inferior. Fazia ainda parte inseparável do pião um fio com um comprimento mais ou menos de 1,50 m, o qual era primeiramente preso na saliência superior do pião e depois enrolado em espiral a partir do bico metálico, envolvendo parte do corpo do pião. Seguidamente, a ponta restante do fio era enrolada no dedo indicador e o pião era aconchegado na palma da mão. Depois o braço era
puxado atrás e num gesto rápido, lançava-se para a frente arremessando o pião ao chão, num movimento de retorno, de modo a que o fio nesse movimento fizesse rodar o pião.
O fio tem vários nomes, dependendo da região. Para nós era a guita , mas também é conhecido por baraço, cordel ou liceira.
O bico também pode ter vários nomes (ferrão, espeto ou cone). Pode, ainda, apresentar vários tipos, nomeadamente o bico grosso, em forme de cone e o bico fino, tipo ponta de prego.
Os piões de bico grosso eram utilizados no "jogo da nica", em que o objectivo era acertar alternadamente no pião dos colegas de modo a pô-lo fora de um círculo e do combate, quanto mais danificado melhor. Por essa razão, nesse jogo eram utilizados piões velhos, já desgastados de anteriores batalhas, sendo assim menor o prejuízo. Quando se conseguia de um golpe rachar ao meio o pião do adversário era uma vitória inesquecível que, não raras vezes, era precedida de uma cena de pancadaria entre os intervenientes.
O pião de bico fino, que emprestava mais velocidade e tempo de rotação, era utilizado no "jogo do dura", em que os piões eram lançados em simultâneo, ganhando aquele que se mantivesse mais tempo "em pé", ou seja, a rodar. Também era muito popular o "jogo das conchas" (caricas ou cápsulas metálicas das cervejas e refrigerantes). Este jogo consistia num círculo desenhado no chão, com mais ou menos 1,20 m de diâmetro, para onde cada jogador atirava, a partir de uma distância mais ou menos de 2 a 3 metros, uma carica de acordo com uma ordem estabelecida pela declaração dos termos "primas", para o primeiro a lançar, "xigas", para o segundo e "restas" para o terceiro. Depois, cada jogador, na sua ordem, lançava o pião para o interior do círculo tentando acertar nas caricas de modo a que estas saltassem fora do círculo, conquistando assim as mesmas. De referir que enquanto o pião rodasse, era permitido o "apanhar" com a mão, o que se fazia com um movimento de mão aberta  de modo a que o pião saltasse para a mão por entre os dedos indicador e médio, sendo novamente lançado de encontro à carica. Por vezes conseguia-se desta forma vários movimentos. Para além das própias caricas, servia de pagamento nos jogos do pião, os cromos, botões e pincholas (botões grandes arrebatados aos sobretudos e casacos) ou até mesmo tostões, entre meninos mais endinheirados.
Outra das brincadeiras que se praticava era "adormecer" o pião. Nesta situação o pião era lançado numa superfície dura e plana (soalho ou ladrilho) e este atingia uma rotação tal que ficava em rápido movimento mas imobilizado no mesmo sítio, sendo então possível ouvir o característico som do "adormecimento".
O pião era um brinquedo de rapazes, assim como os respectivos jogos, pelo que era raro ver-se uma rapariga participar nestas brincadeiras, excepto aquelas chamadas de "maria-rapaz", muito dadas a brincadeiras masculinas. As meninas praticavam sobretudo a "macaca", jogo de que falarei noutra ocasião.
Os meus primeiros piões foram-me simpaticamente oferecidos pelo meu tio Manuel Fernandes, de Pernes, (marido da minha tia Lurdes) que trabalhava nos torneados e que muitos piões me ofereceu! Quando vinha namorar a minha tia à Famalva trazia-me de vez em quando um pião ou uma guloseima! Mais tarde formou a sua própria empresa, a "EXPOMADE", uma magnífica empresa de torneados, que ainda atualmente é uma das poucas que existe em Pernes e que de forma determinada resiste à crise. Que continuem com força, saúde e determinação!!
Nos meus tempos  de escola na Comenda, (dois primeiros anos) jogar ao pião era uma das nossas brincadeiras preferidas, a par de jogar ao botão, "ao espeta", corridas com arcos, cromos dos jogadores de futebol e claro jogar à bola!! Foi até a jogar ao pião que fiz uma grande maldade a um colega de escola (acho que ao Henrique) por ter apanhado um pião depois colocá-lo a rodar na sua cabeça. Claro que depois o sangue correu abundamente e não escapei a umas  valentes reguadas (justíssimas!) da nossa professora, a Dª Teresinha !!
Noutras localidades existem diversos jogos associados ao pião, sendo alguns mais ou menos comuns a todo o país mas outros mais restritos. Em certas regiões, nomeadamente em Trás-os-Montes e Alto Douro, os jogos associados ao pião eram suspensos na Quaresma, por se considerar que a sua prática "era picar o Corpo de Cristo".
Hoje em dia os brinquedos das crianças e dos rapazes são outros, nomeadamente as consolas de vídeo-jogos, on-line, leitores de vídeo e áudio e telemóveis, pelo que este antigo brinquedo de madeira faz apenas parte do nosso imaginário ou apenas como elemento de decoração, fazendo lembrar, a quem o usou, os bons velhos tempos da sua infância e as brincadeiras sadias sempre aliadas ao recreio e ao exercício físico.

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